segunda-feira, 24 de agosto de 2009

vinte e oito

O sorriso da lua estava irônico. Cada vez maior e mais irônico. Sobre o balcão da cozinha, o pequeno pote de dinheiro ainda estava pela metade. Na sala, o vento entrava pela janela fazendo o tapete quase voar. Num quartinho qualquer, a máquina de costurar rugia, devolvendo utilidade aos uniformes de trabalho e de escola. Era o trabalho da mãe: consertar os furos, tapar buracos, evitar que tudo se rompesse.
O pai chega pontualmente às 19h. Traz o jornal do dia e o arrependimento de uma vida. Sentam-se para comer, o silêncio pontua cada frase que é dita. A mãe lê o resumo da novela, o pai comenta com o filho o resultado do jogo de futebol – tudo como deve ser. Sobre a mesa, há pão. Sob a mesa, ressentimentos. A faca cai, pai e mãe correm para pegá-la. Ele insiste em pegar, ela diz que está tudo bem. Está tudo bem.
A lua está cheia. O filho diz que convidou um amigo para passar a noite. A mãe prepara um colchão ao lado da cama dele, que permanecerá intocado por toda a madrugada. Eles fecham a porta, o som do videogame é alto. Atenciosa, a matriarca da família prepara um lanche. Abre a porta com cuidado e descobre que sim, há espaço para toques naquela casa. Está curiosamente em paz.
Nos outros dias, a máquina de costura trabalhava cada vez a mais. Havia pressa. Ela cobria qualquer furo que pudesse encontrar. O fogão estava lotado de panelas, a mãe retirava alimentos do forno continuamente e enchia o freezer e a geladeira. Já não ressentia a separação de corpos que acontecia toda noite – ela já não precisava daquele homem dentro de si para se sentir inteira.
Diminuía, a lua. Mas não havia ironia em seu sorriso. Nos dias seguintes, ela limpou a conta conjunta no banco. Deixou as roupas do marido e do filho perfeitamente dobradas na cama de cada um. A geladeira estava abastecida para pelo menos uma semana. Agora era hora de consertar seus próprios rasgos. O pote de dinheiro estava vazio, o tapete voou, a lua renovou-se.

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