terça-feira, 15 de setembro de 2009

Vó, quando a senhora se foi, eu tinha 16 anos e nunca havia visto a morte de perto. Me lembro que foi no dia 21 de abril, quando Tiradentes havia sido enforcado. Bom, nesse dia enforcaram minha inocência também.
Acho a morte cruel, porque ela deixa vestígios. Cada peça de roupa que a senhora deixou no guarda-roupa parecia gritar "ei! ela esteve aqui!". E a ausência daqueles pezinhos se movimentando pelo quintal? A ausência também grita, e às vezes mais até que a presença.
Penso na senhora, encolhida e frágil até seu último momento. E forte por dentro. Forte nas convicções que tinha, embora eu deva dizer que nunca concordei com a maioria delas. Mas tento entender. Tento entender sim, porque a senhora foi criada tão diferente de mim e não era tão culpa sua assim. Pensávamos diferente em muitos aspectos, mas esse parece ser o mal da nossa família.
Quase sorrio quando penso na senhora aí no céu, contemplando e se afligindo com nossas confusões diárias. Me pergunto até se aí existe páscoa - ambas sabemos que a senhora jamais seria a mesma se não guardasse seu ovo de chocolate gigantesco em cima da geladeira até o ano seguinte, quando o ovo era substituído por outro.
Quase sorrio, mas não o faço por ter uma consciência. Porque sei que a senhora não aprova muito do que ando fazendo. Porque a gente sempre pensou tão diferente. Desculpa, vó, se as coisas não saíram do jeito que a senhora planejou. Mas quer saber? Também não saíram do jeito que eu planejei.