terça-feira, 24 de novembro de 2009

o móbile

Vai cedo, meu amor. Vai cedo. Porque você foi sem escutar tudo que eu tinha que te dizer e sem dizer tudo que eu tinha que escutar. Mesmo sem querer. Aqui você deixou meio maço (que eu não vou fumar), um pacote de balas inacabado (que eu não vou comer) e essas palavras (que eu não vou ouvir). Ah, essas palavras... Pairam sobre mim como um móbile.
Eu tinha um móbile, sabe, quando eu era criança. Mas eu nunca consegui alcançá-lo do meu berço. Então me mudaram pra uma cama e mamãe o subiu ainda mais, até que um dia ele simplesmente não estava mais lá. Acho que foi porque cresci demais. Daí que eu acho que passei toda a minha vida atrás de coisas que nunca pude alcançar.
Eu sempre vivi com esse sentimento de perda. Não era só pelo móbile. Mamãe também fez isso com meus brinquedos e minhas roupas. Sobrevivi, cresci, esqueci os brinquedos e passei a comprar minhas próprias roupas. Mas nunca me esqueci, entende? Todo mundo tem seu trauma de infância e faz dele o que quiser. Eu só queria alcançar a porra do móbile.
Achei que já era hora de encarar meus fantasmas – não estou falando da carta que deixei a pouco na sua casa falando de tudo que a gente tinha e do nada que vamos ter. Pois bem, fui à casa de minha mãe e achei bem no fundo do armário aquela peça colorida. Pendurei, peguei. Tudo espatifou-se no chão. Juntei os cacos de uma varrida só e do lixo contemplei seus restos. Agora eu pairava leve leve sobre eles.