Vó, quando a senhora se foi, eu tinha 16 anos e nunca havia visto a morte de perto. Me lembro que foi no dia 21 de abril, quando Tiradentes havia sido enforcado. Bom, nesse dia enforcaram minha inocência também.Acho a morte cruel, porque ela deixa vestígios. Cada peça de roupa que a senhora deixou no guarda-roupa parecia gritar "ei! ela esteve aqui!". E a ausência daqueles pezinhos se movimentando pelo quintal? A ausência também grita, e às vezes mais até que a presença.Penso na senhora, encolhida e frágil até seu último momento. E forte por dentro. Forte nas convicções que tinha, embora eu deva dizer que nunca concordei com a maioria delas. Mas tento entender. Tento entender sim, porque a senhora foi criada tão diferente de mim e não era tão culpa sua assim. Pensávamos diferente em muitos aspectos, mas esse parece ser o mal da nossa família.Quase sorrio quando penso na senhora aí no céu, contemplando e se afligindo com nossas confusões diárias. Me pergunto até se aí existe páscoa - ambas sabemos que a senhora jamais seria a mesma se não guardasse seu ovo de chocolate gigantesco em cima da geladeira até o ano seguinte, quando o ovo era substituído por outro.Quase sorrio, mas não o faço por ter uma consciência. Porque sei que a senhora não aprova muito do que ando fazendo. Porque a gente sempre pensou tão diferente. Desculpa, vó, se as coisas não saíram do jeito que a senhora planejou. Mas quer saber? Também não saíram do jeito que eu planejei.
me lembro qdo,no telefone, vc com uma voz triste que nunca ouvi igual me pediu pra ir na sua casa... muito bom o texto.
ResponderExcluir