quarta-feira, 6 de outubro de 2010

break-up song #2 (ou de como é tudo questão de perspectiva)

Hoje minha cama quebrou, assim como você havia previsto a algum tempo atrás. Vieram homens para consertar. Bateram, martelaram incansavelmente, mas a madeira era tão dura que nada funcionou.
- Você vai ter que desmontá-la. Não há nada a se fazer - nesse momento ela é só uma ocupação de espaço.
(achei que falavam de mim)
Acontece que eu deitei no chão e de repente o quarto parecia tão maior e tão mais vazio. Foi aí que eu vi que você não vai voltar.

break-up song #1

Voltar pra casa agora é diferente. Significa tirar sua pintura preferida da minha parede. Significa que a sua escova de dente no banheiro agora vai pra uma caixa se misturar a outras várias lembranças: meu primeiro dente que caiu, agendas onde se acumularam compromissos inúteis, fotos de pessoas que foram embora. Você também foi embora. Algumas pessoas chamam isso de crescer, mas quer saber? Eu chamo isso tudo de grande, grande merda.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

berlim

Tenho a impressão de que se alguém me pegar pelo pescoço agora vou me esfarelar.
Estava tarde, o termômetro da avenida marcava 32 graus e o calor procurava se infiltrar no meu corpo por qualquer poro existente. Não achei ruim. Meu corpo estava vazio.
- Mãe - eu pedi - Mãe, me faça menos humano e mais armadura.
Mas minha mãe não me escutou. Ela costumava escutar, mas isso faz muito tempo e o chão era de terra batida. Depois veio o mármore e todos aqueles andares sob os nossos pés e aí ergueram paredes tão altas que não adiantava nem gritar.
Foi então que eu coloquei várias cidades entre nós. Eu já não podia mais contar a quantas paredes de distância estávamos, mas mesmo assim eu gritava. Mesmo sabendo que era inútil.
- Onde dói? - o médico perguntou. Eu tentei responder. Eu falei sobre armaduras e paredes, sobre vazio e calor. Sobre os gritos. Eu falei pra ele que não confiasse, porque ela nunca ia voltar. Elas nunca voltam. Ele me cobrou 120 reais por isso.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

não-adeus de isabel

- Às vezes eu me sinto tão sozinha que só preciso ficar um pouco mais sozinha, entende?
Não entendi. E depois de 289 dias, 5 horas e 42 minutos, Isabel me deixou. Partiu assim, de uma maneira tão simples como quem parte um pedaço de bolo. Não levou a plantinha que cultivava religiosamente na varanda. Sequer levou as chaves – era minha última esperança. O que ela levou foram aquelas tardes quentes, em que deitávamos na rede e ríamos de um futuro que jamais chegaremos a ter.
A mim ela deixou esse gosto de amargo, esse gosto de Isabel, que tentei substituir por vodka e por cigarros e depois pelos vinhos baratos da despensa. Veja, ela não quis saber nem dos vinhos. Ela os amava (mais do que a mim, desconfio) – falava ela que eles lhe lembravam o pai, o pai tão distante que só era pai quando se sentava com Isabel e o vinho mais ordinário que houvesse à venda.
Ela se dizia órfã. Dizia-se sem-lar também. Acho que batalhei tanto dentro dessas paredinhas minúsculas para que Isabel chamasse esse lugar de casa que acabei eu sem lar também. E vivíamos assim, debaixo desse teto que não era lar não era casa de ninguém. Nem era meu – só enquanto eu me prestasse a pagar o aluguel. Coisa que sempre fiz, com ou sem ela.
Acabou que Isabel deixou tudo mais ou menos intacto assim, menos essa parte de mim que se sente meio violada, desavisada, perdida. Nem carta ela escreveu, sabe? Não quis se explicar, mas acho que nem ela entendeu. A única coisa que estava diferente quando ela partiu foi aquele vidro de pílulas pra dormir. Antes pela metade, estava vazio. Isabel dormia. Tão calma que se esqueceu até de respirar.