terça-feira, 5 de janeiro de 2010

não-adeus de isabel

- Às vezes eu me sinto tão sozinha que só preciso ficar um pouco mais sozinha, entende?
Não entendi. E depois de 289 dias, 5 horas e 42 minutos, Isabel me deixou. Partiu assim, de uma maneira tão simples como quem parte um pedaço de bolo. Não levou a plantinha que cultivava religiosamente na varanda. Sequer levou as chaves – era minha última esperança. O que ela levou foram aquelas tardes quentes, em que deitávamos na rede e ríamos de um futuro que jamais chegaremos a ter.
A mim ela deixou esse gosto de amargo, esse gosto de Isabel, que tentei substituir por vodka e por cigarros e depois pelos vinhos baratos da despensa. Veja, ela não quis saber nem dos vinhos. Ela os amava (mais do que a mim, desconfio) – falava ela que eles lhe lembravam o pai, o pai tão distante que só era pai quando se sentava com Isabel e o vinho mais ordinário que houvesse à venda.
Ela se dizia órfã. Dizia-se sem-lar também. Acho que batalhei tanto dentro dessas paredinhas minúsculas para que Isabel chamasse esse lugar de casa que acabei eu sem lar também. E vivíamos assim, debaixo desse teto que não era lar não era casa de ninguém. Nem era meu – só enquanto eu me prestasse a pagar o aluguel. Coisa que sempre fiz, com ou sem ela.
Acabou que Isabel deixou tudo mais ou menos intacto assim, menos essa parte de mim que se sente meio violada, desavisada, perdida. Nem carta ela escreveu, sabe? Não quis se explicar, mas acho que nem ela entendeu. A única coisa que estava diferente quando ela partiu foi aquele vidro de pílulas pra dormir. Antes pela metade, estava vazio. Isabel dormia. Tão calma que se esqueceu até de respirar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário